sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

PENÉLOPE - ANA MARTINS MARQUES




I

O que o dia tece,
a noite esquece.
O que o dia traça;

a noite esgarça.
De dia, tramas,
de noite, traças.
De dia, sedas,
de noite, perdas.
De dia, malhas,
de noite, falhas.

II

A trama do dia
na urdidura da noite
ou a trama da noite
na urdidura do dia
enquanto teço:

a fidelidade por um fio.

III

De dia dedais.
Na noite ninguém.

IV

E ela não disse
já não te pertenço
há muito entreguei meu coração ao sossego
enquanto seu coração balançava em viagem
enquanto eu me consumia
entre os panos da noite
você percorria distâncias insuspeitadas
corpos encantados de mulheres com cujas línguas
estranhas eu poderia tecer uma mortalha
da nossa língua comum.
E ela não disse
no início ainda pensei em você
primeiro como quem arde diante de uma fogueira
apenas extinta

depois como quem visita em lembrança a praia da infância
e então como quem recorda o amplo verão
e depois como quem esquece;

E ela também não disse
a solidão pode ter muitas formas,
tantas quantas são as terras estrangeiras,
e ela é sempre hospitaleira.

V

A viagem pela espera
é sem retorno.
Quantas vezes a noite teceu
a mortalha do dia.
quantas vezes o dia
desteceu sua mortalha?
Quantas vezes ensaiei o retorno —
o rito dos risos,
espelho tenro, cabelos trançados,
casa salgada, coração veloz?
A espera é a flor que eu consigo.
Água do mar, vinho tinto — o mesmo copo.

VI

E então se sentam
lado a lado
para que ela lhe narre
a odisseia da espera.

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